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"Contem com o BE para continuar a travar, de cravo na mão, a ameaça populista e fascista no nosso país!"

Intervenção nas comemorações oficiais do 49.º aniversário do 25 de Abril em Miranda do Corvo, pela representante do Bloco de Esquerda, Júlia Correia:

Senhor presidente da Assembleia Municipal,
Senhor presidente da Câmara,
Senhoras e Senhores Deputados Municipais,
Senhora e Senhores vereadores e presidentes das Juntas de Freguesia,
Demais autarcas,
Dirigentes associativos,
Responsáveis de instituições públicas e privadas, da Proteção Civil, dos Bombeiros Municipais e da GNR,
Caras e caros mirandenses:

Em nome do Bloco de Esquerda quero agradecer o convite que nos foi endereçado para estarmos presentes nesta sessão comemorativa do 25 de Abril. Hoje, em que se comemora os 49 anos da Revolução dos Cravos, mais do que nunca, faz todo o sentido festejar 25 de Abril de 74. Começo por citar um excerto de um poema, de José Fanha:

 

Que é feito do sol de Abril
Que nos circulou nas veias?

Que é feito do mês do sonho
Quando o sonho era concreto
E tinha formas de casas
Portas abertas e pão
Quando o sonho que sonhámos
Era um filho coletivo
Parido pela multidão
Que é feito do mês de Abril?

Os sinais estão aí. Há quem peça um novo 25 de Abril, quando o que pretende é um regresso ao dia anterior, ao dia 24 de Abril de 1974. Discursos empolgados, apelo à revolta que trará uma libertação que mais não é que o regresso ao período bafiento da ditadura.

O Portugal de Salazar a preto e branco era um país de guerra, de medo, dos pobrezinhos e remediados com a graça do Senhor, dos analfabetos, onde a escolaridade obrigatória era substituída pelo servir as senhoras ou o patrão na cidade. Não fosse a insistência de alguma professora para que o menino prosseguisse os estudos, os filhos e filhas dos pobres, da gente do campo, estavam destinados às fábricas e ao trabalho árduo nas terras. Prosseguir para além da 3.ª classe era um luxo.

Há quem queira reescrever a história e incutir saudade do tempo em que os resultados das eleições eram manipulados, o direito à greve, à manifestação, à organização sindical era vetado, em que as mulheres não votavam, não estudavam, assistiam à morte dos seus filhos impotentes, pois os cuidados de saúde não eram para todos. Mulheres que dependiam dos maridos para viajar, era-lhes pedido que fossem boas donas de casa, mulheres sofridas sem se poderem divorciar, tudo o que lhes restava era calar e rezar para que a violência diária que muitas sofriam não lhes deixasse marcas para toda a vida.

Há quem se escude na liberdade de expressão para dizer as maiores atrocidades, para insultar, gritar bem alto como se fosse a voz da razão, explorando as dificuldades do dia a dia até à exaustão. Como se não soubesse que defende precisamente o que antes não era permitido. Toda a cultura, literatura, imprensa e comunicação passavam pelo lápis azul. Querem estes arautos do saudosismo nos fazer crer que antes é que era bom, não havia crimes, não havia ladrões nem “poucas vergonhas”, como há agora. A perseguição das pessoas pela Pide, as prisões cheias de opositores ao regime, os exilados políticos, os altos níveis de emigração isso não é importante.

O salário mínimo nacional, o subsídio de desemprego, o direito à reforma, o direito a férias pagas, conquistas de Abril, para quem quer lucrar com o descontentamento de um povo, são pormenores a omitir. O que interessa é apontar, é desacreditar, é o barulho, o caos.

Está tudo bem na nossa democracia? Claro que não. Significa isso que os ideais de Abril devam ser postos em causa? Não nos parece. O “Está tudo mal” só serve a quem tem sede de poder, de controle, de sabotagem gratuita. Senão vejamos:

Com Trump, nos EUA e Bolsonaro, no Brasil, deixou de haver corrupção? Melhorou o nível de vida das pessoas? O facto de terem como bode expiatório a imigração significou uma melhoria da economia? A criminalidade diminuiu quando a extrema-direita esteve no poder? Pelo contrário, houve um aumento da utilização de armas que significou maior insegurança e mais criminalidade.

Não se trata de subestimar a luta diária de quem trabalha e não vê a sua vida melhorar, trata-se sim de encontrar soluções e respostas democráticas. Se o governo PS tem contribuído para o descontentamento e aumento destes partidos? Claro que sim. Basta referir o dossiê TAP para ouvir as pessoas a dizer “não me falem de política, os políticos não olham por nós, olham por eles”. E é tão fácil concordar com estas afirmações.

Cabe ao poder local fazer a diferença. Como? Através da capacidade para fazer, da transparência e proximidade. Sendo o poder local também uma das conquistas de Abril, é necessário gerar políticas que envolvam os/as munícipes e fazer com que tenham acesso àquilo que lhes diz respeito diretamente. Deixar a torre de marfim e olhar cada freguês/a nos olhos para saber os problemas que enfrenta. Deixar de prometer o “sim, nós vamos fazer”, mas sim arregaçar as mangas e ouvir, fazer e concretizar. O Bloco de Esquerda não pode deixar de referir a Rádio Dueça, em que são meses e meses de espera por uma licença para colocar um cabo. Licença essa que teve de ser pedida pela autarquia e que nem sequer ia assinada pelos responsáveis. O que normalmente seria simples demora meses, dá voltas e voltas que ninguém percebe. E tal como este caso, outros há, o que faz com que as pessoas se queixem da demora e da inércia em relação aos seus pedidos e aos seus problemas.

Os cidadãos/ãs deste país merecem políticos, autarcas que apresentem uma boa estratégia política, dedicados à coisa pública, em quem possam confiar. Mas para isso também têm de fazer a sua parte: exigir, lutar e confrontar. O BE não pode deixar de referir a luta que está a ser travada pelos professores e professoras deste país, meus colegas, que lutam pela dignidade e valorização da nossa profissão.

O 25 de Abril permitiu-nos a escolha. Que essa escolha seja baseada na luta solidária, conjunta e informada.

Ontem, Chico Buarque recebeu o prémio Camões 2019. “Foi bonita a festa, pá, fiquei contente, ainda guardo renitente, um velho cravo para mim”. O poeta, escritor, cantor e autor brasileiro lembrou que “a ameaça fascista persiste no Brasil e um pouco por toda a parte”. Contem com o BE para continuar a travar, de cravo na mão, a ameaça populista e fascista no nosso país!

Viva o 25 de Abril! Viva Miranda do Corvo!