Discurso de Júlia Correia nas comemorações de Miranda do Corvo dos 50 anos do 25 de Abril.Senhor presidente da Assembleia Municipal.
Senhor presidente da Câmara,
Senhoras e Senhores vereadores e presidentes das Juntas de Freguesia,
Senhoras e Senhores Deputados Municipais,
Demais autarcas,
Dirigentes associativos,
Responsáveis de instituições públicas e privadas, da Proteção Civil, dos
Bombeiros Municipais e da GNR,
Caras e caros mirandenses:
Em nome do Bloco de Esquerda quero agradecer o convite que nos foi endereçado para estarmos presentes nesta sessão comemorativa do 25 de Abril.
Hoje, em que se comemora os 50 anos da Revolução dos Cravos, mais do que nunca, faz todo o sentido festejar esta data. O 25 de Abril trouxe promessas de igualdade de género em Portugal. Até então a condição das mulheres era de inexistência na esfera pública:
- a sociedade exigia-lhes que fossem recatadas;
- a política estava-lhes vedada, isso era assunto para homens, no entanto na resistência lutavam passo a passo com os seus camaradas, sofriam as mesmas represálias e se hoje temos 25 de Abril foi também graças à sua coragem, com o sacrifício dos seus filhos em nome de uma causa maior;
Nos 48 anos de ditadura as mulheres eram cidadãs de segunda,
- 25% dos trabalhadores eram mulheres, mas só 19% trabalhavam fora de casa, ganhavam menos 40% do que os homens;
- a maioria realizava trabalhos não qualificados nem especializados e manuais;
- grande parte trabalhavam no campo;
- o único modelo de família era o resultante do contrato do casamento, evidentemente feito na igreja;
- segundo o código civil a mulher podia ser repudiada pelo marido caso não fosse virgem na altura do casamento;
- o casamento era indissolúvel, divórcio era palavra desconhecida;
-o Código Penal permitia ao marido matar a mulher caso houvesse adultério, tudo o que lhe aconteceria seria um desterro de seis meses da comarca;
- violência doméstica era palavra inexistente, até porque entre marido e mulher ninguém metia a colher;
- os médicos não estavam autorizados a receitar a pílula, as mulheres tentavam todos os métodos tradicionais para tentar não engravidar, mas claro que nem sempre isso resultava;
- o aborto era proibido em qualquer circunstância, com pena de prisão de 2 a 8 anos, no entanto eram feitos anualmente 100 mil abortos clandestinos, deixando inúmeras mulheres com infecções gravíssimas colocando em risco a sua vida e impossibilitadas de engravidar novamente;
- a taxa de analfabetismo era elevada, cerca de 30% por volta de 1970 e também neste caso, nas mulheres era pior;
- na escola iam quando muito até à 3a classe, era necessário o seu trabalho em casa das senhoras;
- o respeitinho era muito lindo e exigia-se obediência ao pai e mais tarde ao marido;
- havia profissões que nem sequer podiam exercer como a magistratura;
- assistentes de bordo, enfermeiras não podiam casar-se, no caso das professoras era necessária a autorização do estado para o fazer;
- não tinham passaporte e viajar só com a autorização do marido, maridos esses que podiam abrir a sua correspondência e ditar o seu dia-a-dia;
- o lugar da mulher era em casa a cuidar dos filhos, eram donas de casa, numa casa onde nada mandavam;
- o mundo era dos homens, eram eles os chefes de família, eram eles que tinham capacidade financeira e poder económico;
- a política estava vedada às mulheres, nem sequer tinham direito a votar;
Felizmente muita coisa melhorou nos 50 anos de democracia. Mas se anteriormente julgávamos que os direitos adquiridos ao longo destes anos eram para sempre, a verdade é que temos assistido a um ataque nunca anteriormente visto às conquistas de Abril e aos direitos das mulheres. Curiosamente, ou não, ciclicamente há sempre quem se sinta incomodado com aquilo que as mulheres conseguiram ao longo destes anos. Misoginia descarada, livros que são apresentados a defender a família tradicional seja esse qual for o conceito em 2024. E como se não entendêssemos todos e todas ao que vêm, ainda propõem medidas absurdas baseadas em conceitos retrógrados e ultrapassados. As donas de casa, segundo eles, merecem a nossa atenção e devem ser remuneradas, porque são elas mulheres a base deste país, não pela sua importância enquanto cidadãs, enquanto sujeitos importantes no desenvolvimento deste país, mas na sua condição de mães, de cuidadoras da família. Com o maior descaramento despejam os seus preconceitos na sociedade, como se não tivesse passado o tempo e não tivessem sido conquistados direitos inalienáveis. Julgam que as pessoas estão distraídas e acreditam que o que defendem é para o bem das mulheres, em defesa da família tradicional. As suas propostas bacocas e perigosas põem em causa a democracia e os direitos das mulheres. Mas é sempre assim, são sempre as mulheres as primeiras a serem visadas quando as direitas conservadoras e populistas se tentam reerguer. O direito à interrupção voluntária da gravidez é
outra questão que volta e não volta é posta em causa. Homens que se pronunciam sobre o corpo das mulheres, homens que querem decidir qual o nosso papel na sociedade. Um saudosismo bafiento que paira no ar, uma ameaça constante.
Na política a mesma coisa. A lei da paridade é de 2006, tem 18 anos e mesmo assim há quem ainda não tenha percebido a sua importância. Defende-se a meritocracia, como se as mulheres que vão ocupar lugares nas listas, nas assembleias, nas câmaras, no governo, em cumprimento de uma lei que defende uma quota de 40%, não sejam capazes de desempenhar bem o seu papel. Vê-se como uma regalia e uma afronta, mas os anos em que a política foi só conduzida por homens, isso não incomoda ninguém. A sobrecarga que as
mulheres portuguesas têm no seu dia-a-dia impede-as de uma participação mais ativa na sociedade, na política, pois se não for por quotas como se consegue que a sua voz seja ouvida? Aqui os partidos têm muita culpa, pois são eles os guardiões que perpetuam nos seus órgãos homens que nomeiam homens, cadeias de amizade e interesses que afastam as mulheres do poder. E se aparece alguma que consegue aceder e desempenhar bem as suas funções políticas, é destacada como o grande exemplo. Vêem como a democracia e a pluralidade estão a ser cumpridas?
Sim, há ainda muito a fazer, mas já foram dados passos importantes. Há direitos que não podem ser postos em causa e hoje que festejamos os 50 anos do 25 de Abril devemos erguer bem alto o nosso punho e defender os direitos conquistados com a revolução de Abril!
{Dedico este discurso à professora Maria José Vicente, aqui presente na sala, pelo seu combate ao fascismo e pelo seu contributo para a Liberdade que hoje aqui festejamos}
A luta é constante, mas não passarão!!!
Viva o 25 de Abril!
Viva Miranda do Corvo!